sexta-feira, 15 de maio de 2009

ESPAÇO URBANO


Espaço Urbano
O grafite, por ser feito sobre um suporte urbano repleto de signos da comunicação de massa, está em inevitável diálogo com todos esses signos e com o entorno. São cartazes, placas de trânsito, placas de pedestre, adesivos, painéis luminosos, outdoors, bus-doors, e uma infinidade de dizeres e imagens que surgem freneticamente no percorrer uma grande avenida . O que alguns consideram “poluição visual”pode ser visto como uma grande diversidade de signos lingüísticos em uma subliminar comunicação do espaço urbano - uma "cidade polifônica".A cidade polifônica significa que a cidade em geral e a comunicação urbana em particular comparam-se a um coro que canta com uma multiplicidade de outras vozes, que isolam-se ou se contrastam.O grafite constitui uma dessas vozes e, por isso, deve ser cartografado na estética urbana para que o diálogo com o entorno seja audível. Se inserido em uma galeria de arte, o grafite é mutilado em seu poder de comunicação quando limitado a conter toda sua significação em si mesmo. Na situação urbana esse deslocamento é impensável e irreal, pois, quando a paisagem urbana cede espaço a essa intervenção visual, há uma simbiose de signos que geram um todo reinterpretável.


Observando o grafite como um "detalhe da paisagem urbana", sua leitura é condicionada ao seu entorno, uma vez que esse grafite está impregnado em uma parede, em uma rua, em um bairro, em uma cidade. Deslocar física e temporalmente esse objeto fragmenta sua relação com o todo no qual foi concebido, minando a sua significação. O desenho grafitado só se torna um grafite quando em relação com a cidade.O grafite comunica-se com a sociedade que habita a cidade, por vezes de forma subliminar, ao participar da paisagem urbana. O viver a cidade passa por sua estética marcada por conotações subjetivas, em um diálogo íntimo e individual entre o sujeito e o meio pelo qual é circundado. O grafite, percebido como um signo da cidade, exposto a todos de forma autoritária por surgir unicamente pela vontade de quem o produz, se insere no processo de diálogo com o "urbanóide", dialogo este que se estabelece de duas maneiras: a primeira, ao constituir uma mensagem legível, proposta por alguém, e compreendida em sua totalidade pelo receptor; a segunda, ao caracterizar antes a existência de seu proponente, a marca do autor ali presente, visível, mesmo que ilegível.
Essa leitura é dotada de um nível variável de ruído, através do qual a mensagem é munida de uma relação intersubjetiva com seu leitor. Para a rede que grafita, a leitura é feita diferentemente do que para o desavisado morador apressado, possibilitando as diversas e esperadas compreensões de um produto visual. O certo é que existe o estabelecimento de uma "cadeia comunicativa" entre o grafite, o grafiteiro, o morador da cidade e o entorno. No que tange ao entorno, à rua da cidade, o grafite se agrega em um entrelaçamento de re-significação. Ele deixa de ser obra em si mesmo, até porque não é pensado para isso, e funde-se nos níveis significativos da paisagem urbana. O ruído agora não está mais nas diferentes linguagens, e, sim, nas folhas da árvore que se debruçam sobre a parede, nos fungos que absorveram a tinta perto do chão, no cartaz colado sobre o muro grafitado, nas ranhuras da porta que foi incorporada ao desenho. O próprio movimento do passante, que vê o grafite de forma rápida, já acusa uma leitura do que salta aos olhos. O ritmo da cidade, o semáforo, a parada de ônibus, são formas de regrar tempos diferentes de exposição do morador frente a paisagem em que se insere o grafite. E não é de se esperar que ele esteja especialmente atento, que venha a caçar e decifrar mensagens oferecidas pela paisagem urbana.
Quando se trata de entender uma pichação, o uso de um código lingüístico secreto, que não é compartilhado pela população em geral devido a sua grafia, torna praticamente impossível ler os nomes e siglas expostos nas paredes da cidade. Excluindo grafiteiros, pichadores e curiosos em geral pela escrita urbana, a leitura compreensiva desses signos passa despercebida, sendo eles vistos, mas não entendidos. É de se pensar que a sua significação para a população não seja desejada por parte do proponente da obra, sendo esta importante apenas para a tribo que grafita e confere valor a tal ousadia.
No piche é feita a marca registrada de alguém, a tag, a representação de si mesmo. Nele,
O que o escritor anônimo quer comunicar não são palavras, mas, sim, a sua presença fantasmática, que pode atingir o alvo quando e onde queira, nas cornijas mais altas, nos edifícios mais elegantes, nas perspectivas mais vertiginosas. Porque o sentido do discurso consiste tão-somente em atestar a existência anônima, a abstrata presença das pichações árabe-góticas.
Antes de comunicar uma mensagem, a exposição da intervenção visual caracteriza seu autor, não importa com que técnica visual. É a marca de uma pessoa, de um grupo, da existência de alguém, de muitos desconhecidos que são vistos por toda a cidade. O fato de já serem vistos é suficiente para que continuem as exposições de suas marcas na apropriação do ambiente em que vivem.
Esse ensaio não pretende ser conclusivo, e sim, integrante de um processo compreensivo desse complexo objeto de estudo. Grafite e grafiteiros são inevitavelmente, proposições generalistas, através das quais foram abarcadas nuances muito diversas da expressão visual dos moradores nas paredes da cidade. Quanto ao grafite como forma de comunicação visual, reitero uma frase escrita páginas acima. "O desenho grafitado só se torna um grafite quando em relação com a cidade", esse quesito indispensável ao ato da grafitagem, pode ser considerado o fator de coesão na tribo estudada, único e indispensável. Público, o grafite é da rua. O ser visto nas paredes da cidade, insere a tag, a marca, a pessoa, no imaginário de quem lê estas expressões urbanas.

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